18/09/2018

Afinal o que importa?




Uma e outra vez regresso à praia das Cabanas para descansar, passear sem rumo, pela praia, mas  sempre também para visitar a Noélia.








Faço-o por gostar de vê-la, por causa da sua boa comida e porque me faz pensar em assuntos que me interessam, relacionados com a gastronomia nacional e os seus caminhos.
Desta vez até vim sózinho, descansando e comemorando o estágio no Boi-Cavalo, ainda bem recente, para ser motivo de conversa. E, com esta "vasta" experiência do lado dos fogões, posso incluir temas novos na conversa com a Noélia, ela  que num dia trabalha mais que eu durante a totalidade do estágio. Mas imagino que ela desculpe a excitação deste aprendiz de cozinheiro.




***

A Noélia acha que devia ter mais formação, diz que não sabe nada de especial, que são os bons productos que a motivam, diz (por outras palavras) que só tem memórias e coração, mas está a ser muito modesta. O que ela faz é bem difícil. Preparar, temperar, cozinhar mantendo sempre presentes mesmo no nosso palato, as memórias e o coração, que por acaso é o que mais falta em muitos dos restaurantes Portugueses que visito.

Principalmente nos novos.

Memória e Coração. Memória e Saudade. Memória e Reencontro. Desenhar na mesa um caminho até uma felicidade que foi vivida mas mal entendia, quando muitos dos sabores eram apenas marcos para o futuro.

Lembro-me de alguns dos meus:

Não gostava das favas. Da Rica, da Aporcalhada, da cozida para acompahar peixe-frito e hoje quero-as todas. Salivo só por pensar nisso.
A carne guisada mais o seu bizarro ritual na hora de comer, que seguíamos na casa paterna e incluía esmagar as batatas e misturar arroz branco, molho, carne e os legumes esmagados(!!!).
Os croquetes e os pastéis de massa tenra. Os bifes de cebolada. O peixe frito. O arroz de tomate. As morcelas. As pataniscas


O contínuo chegar à mesa com tempo para a sopa, salada, prato principal e fruta. As conversas demoradas e o xiripiti final só para o Avô. Tudo isso pertence a um caminho que ainda sigo e quero deixar, como sugestão, para os próximos.
Frite-se o carapau pequeno! Coma-se a cabeça! Podem ser albardados, de escabeche ou apenas fritos sem mais truques. Tem de ser bem fresco, bem limpo, bem seco, bem enfarinhado, bem sacudido e bem frito em óleo aquecido no ponto (qual?). Tem de ser preparado por quem gosta de o fazer. Como a Noélia.

Ela serviu-me um tártaro de besugo, na companhia da espinha (cabeça, espinha e rabo) bem frita. Confesso que gostei mais das procurar bochechas, escarafunchar em busca do ínfimo cachaço e demais pedacinhos fritos que comi, que do actor principal. Não que o tartaro estivesse fraco (podia estar mais frio, mas era fresquíssimo, bem cortado e bem temperado), mas o prazer de encontrar aquelas preciosidades agarradas à espinha e assim comer o que podia ser tomado por decoração, deu-me um gozo maior. Até algumas espinhas bem fritas eu comi!!!

Ao contrário do que pensa a Noélia, acredito que  formação adicional não é o que ela mais necessita.  Ela precisa é de mais tempo para as memórias, mais e melhor espaço físico para trabalhar, mais calma para nos apresentar tudo o que continua a animar as suas cansativas jornadas de trabalho, tudo o que ela ainda tem na memória. Precisa de calma e tempo, sobretudo para pensar no que é realmente importante para ela.

Muitas vezes já me ocorreu que a Noélia devia reduzir o número de mesas, mas ela quer uma sala do tamanho do seu coração, quer poder atender amigos, conhecidos, passantes, curiosos e ocasionais, todos por igual. É essa fé que a anima, e os que como eu queriam ter mais Noélia e menos clientes, são (somos) apenas invejosos.

...

Hoje comi arroz de ostras ao almoço.

O arroz podia ter ficado mais 30 segundos no tacho, mas estava delicioso no sabor e generoso na quantdade. As ostras eram tudo o que uma ostra pode ser e, na companhia da salicórnia, ficam melhor ainda - tanto as ostras como a salicórnia, são de bem perto e, mesmo que o uso dessa halófita seja quase novidade por cá, a planta já existia há muito.
Faço questão de almoçar e não jantar na Noélia, pela luz e sobretudo pela calma com que a refeição decorre, ainda sem a carga acumulada de stress que a todos vai afectando ao longo do serviço.

Mesmo assim, tão bem tratado, ia olhando para as pataniscas de polvo, para o peixe frito com açorda ou migas de tomate , as gambas , as douradas do mar e demais petiscos que circulavam à minha volta, mas em especial os fritos. Essa coisa antiga, quase pé-descalço, que nunca se viu nas mesas de festa e hoje poucos conseguem executar em condições. O peixe, separado do mar pela fritura que, quando bem feita como é o caso, mantém humidade e sabor nesses pedaços protegidos que só merece disfrutar quem procura entre as espinhas, pois ficar só pelas postas maiores é não saber da missa metade

Afinal o que importa?  A conversa. O pensar. Imaginar. Executar. Gostar

O que importa é gostar muito

PS:
Hoje vou de novo, almoçar à Noélia. É sempre melhor que uma novidade, pois já sei que vai ser bom só não sei o que vai ser. Vou acompanhado  pela Andrea, pelo Miguel e pela pequena Carolina. São  amigos de há muito, que só hoje vão conhecer este local de bem comer. O meu preferido.
Espero que gostem.

09/07/2018

Exame em duas partes


E assim acabou o 2º semestre do curso.

 Aquilo que de início parecia longínquo, está a acontecer diariamente.
Agora seguem-se 2 meses de estágio, que no meu caso, será num sítio que muitas vezes louvei, o restaurante  Boi-Cavalo em Alfama. Passar de cliente para cozinheiro ainda parece um sonho, mas já é  quase a  realidade, pois começo dia 15.

Entretanto, dos muitos exames que fiz, um destacou-se, pelo gosto e empenho que senti e nele apliquei.  Foi longo, cansativo e, em meu entender, um sucesso, seja qual for a nota que venha a ter.

Tínhamos 2 provas para completar. Na primeira, era-nos imposto o pato e na segunda bacalhau. O prato de bacalhau tinha de ter sabores Portugueses, e se fosse a reprodução dum prato tradicional, deveria ser rigoroso, já o pato da manhã era do género prova livre, em que cada um fazia o que muito bem entendesse.

Para esta (a do pato), porque imaginei que teríamos uma profusão cansativa de "magret de cannard ",  fui pesquisar e tropecei num "Pato acebichado" que me atraíu. Parecia diferente, e apesar de convidar ao logro, pelo uso da palavra ceviche, que fez alguns perguntarem se iria ser pato cru, era um prato simples de pato na panela, marinado numa quantidade grande se sumo de citrinos.    

Fiz um teste em casa substituindo os ajis (mirasol e amarillo) por mini pimento amarelo e malagueta e as "naranjas agrias" por uma mistura de sumos de laranja e limão. Sem jamais ter experimentado o prato original, fiquei contente com o resultado do teste e decidi ir por essa via. Acompanhei com batata doce, por ser um acompanhamento frequente no Peru e além disso um que me agrada bastante.

Durante a prova, cada aluno tinha direito a 1/4 de pato e eu escolhi uma das pernas. Com o resto do meu pato e uns pedaços recolhidos entre os colegas, fiz um caldo, que levou os suspeitos do costume.  Cebola, cenoura,aipo, alho, louro, sal e pimenta , a que depois se juntaria uma Sagres mini (comprada no café em frente à escola). O prato peruano leva "Chicha de jora", uma bebida típica, feita de milho, sendo  a cerveja, um substituto possível. Pareceu-me que o travo amargo era excessivo e quando voltar a fazer este p(r)ato usarei vinho branco.
Marinei a perna com o sumo de 1 laranja a que juntei 1 limão (para dar o toque ágrio), 1 colher de chá com cominhos moídos, pimenta, colorau, malagueta em pó, 1 cebola picada, 1 dente de alho. Ficou assim por 30 minutos, enquanto fazia o caldo e preparava  a batata doce que descasquei, torneei  e branqueei para no final, antes de servir,  saltear.
Uma vez marinada a carne, escorri o líquido e alourei a perna em azeite e manteiga. Feito isto, juntei um pouco mais de cominhos, 2 mini pimentos amarelos e toda a marinada, para que  o conjunto cozinhasse  tapado durante 30/35 minutos. Quando senti a carne macia, retirei-a e juntei um copo cheio do caldo antes preparado e que incluía a cerveja. Seguindo as instruções, acrescentei 1 cebola roxa (ou "morada" como se diz por lá) cortada em rodelas finas, e mantive ao lume por mais uns 30 minutos. No final, antes de servir, a carne voltou para a panela e, uma vez tudo à temperatura desejada, empratei e servi.

Nesse altura cometi um erro que depois o Chef sublinhou. O molho devia ter sido servido apenas à mesa, para não se espalhar pelo prato (como sucedeu), "mas está bom..." foi o comentário final.  
Escutar um comentário do tipo "está bom" é o objectivo de todos nós, e qualquer extra pode ser a glória ou o desânimo, mas nada mais ouvi e retirei-me com um sorriso. O meu prato da manhã foi feito de acordo com as minhas expectativas.  

Seguiu-se o bacalhau.
  
  

16/06/2018

Em Vila Verde de Ficalho chamam-lhe Caspacho

De tanto ouvir o meu amigo Luís Ventura falar do "caspacho" da sua Vila Verde de Ficalho, já me crescia água na boca, mas nada que me preparasse para os sabores com que essa "simples"  sopa fria se apresentou.

O Luís sorri sempre que fala nos seus petiscos e isso é coisa que eu entendo muito bem, O amor do que nos é próximo, da terra e da família, aliado ao conhecimento dos bons productos e do tempo próprio para os usar, faz do mais modesto prato, uma iguaria de trazer memórias, emoções e dar vida a quem já não está connosco. Nesta caso, o Luís falou várias vezes de sua Avó e, como  eu também amiúde sinto a presença da minha enquanto cozinho, deixei-me levar nesse abraço e assim cheguei à mesa e aos sabores do Verão no Baixo Alentejo.

O orgulho nos productos apresentados no seu melhor, sendo neste caso o tomate quem tinha direito a destaque, é a base desta  e de outras preparações.

 Sem tomate bem vermelho do sol, nem vale a pena começar.

Mesmo o utensílio usado, uma espécie de pilão com a forma duma maçaneta de porta, feito em madeira e a que se acrescentou um pau a fazer de pega, mereceu a chamada de atenção do Luís.

O "bate-bate", fora feito em Ficalho e imagino que fosse cópia do que sua Avó usara vezes sem conta para fazer este mesmo caspacho e outros pisos, adequados  à tradição culinária da região.
Foi pelo piso de alho que a coisa começou.  Depois de bem esmagados uns quatro dentes de alho, juntou-se-lhes o (meio?) pimento verde em cubos mínimos, igualmente esmagados com paciência e rigor. Depois foi a vez do tomate - um inteiro a que apenas faltava a pele , também esmagado para fazer parte daquela papa que ia tomando sabor.
A essa base juntaram-se pequenos cubos de tomate, pepino e para surpresa minha batata cozida, esta  já em bocados de bom tamanho(ver a foto), pão duro alentejano em pedaços irregulares, "beliscados" como diz o Luís, o vinagre e o excelente azeite de Ficalho adicionados sem medo e com uma arte que deve ser genética, pois aquilo que me parecia excessivo, acabou por ser o jóia da coroa, pois a presença forte do tempero é fundamental para que, aquela espécie de salada de tomate com água, atingisse toda a sua glória.

Eu levei uns jaquinzinhos que depois de fritos fizeram boa figura ao lado do caspacho, e isso tenho de agradecer à Bela, que tem sempre peixe de qualidade na sua banca em Alvalade.

Foi uma tarde de feriado muito bem passada, em boa companhia, com boa comida e bebida, enquanto na rua tudo cheirava às sardinhas do Santo António. Se à ida me fugia o pé para a sardinha, no regresso já reconfortado, na minha cabeça ecoavam os sabores do nosso almoço e nada mais.

10/06/2018

Para variar é arroz de peixe

Arroz de peixe é o prato que mais gosto de fazer.

A versão que aprendi com a Chef Noélia Jerónimo é a minha preferida, principalmente quando feita por ela... 
Isto não é uma graçola, porque sempre que a peço no seu restaurante nas Cabanas, ela diz que eu já o sei fazer e devia pedir outra coisa. Ora bem, eu sei fazer o arroz de limão com corvina (ou outro peixe branco e bom) seguindo a receita dela, que até apareceu nesta minha colecção de histórias e receitas, mas nunca consegui fazer tão bem como ela. Eu faço bem, mas a Chef faz um arroz de limão perfeito.

Esse arroz que já me valeu muitos elogios, é um louvor à simplicidade e o nome é quase a receita completa. Mas há outras versões do pitéu, algumas boas, outras nem por isso, principalmente porque muitas pessoas se esquecem que a coisa é sobre peixe e arroz, o resto são adereços.

Gosto muito de arroz de peixe, e recordo com frequência um dos que a minha Mãe fazia e todos apreciavam, apesar das espinhas, o Arroz de Safio.  Este,  com o seu quê de tomate e a incontornável presença do pimento, era prato de Verão na nossa casa e, mesmo sendo o safio tão diferente na textura, no sabor e nas suas imprevisíveis espinhas, era do agrado geral e gosto de o trazer de volta, sem planos, mas quando calha e o dito peixe me aparece no caminho.

Ontem fui à praça a pensar em caldeirada, mas os elogios da Bela à qualidade do safio fizeram-me regressar ao referido Arroz de Safio. Eu sei que ele apresentar-se na caldeirada, mas já me tinha decidido pelo arroz, e nem o pata-roxa que também trouxe me desviou do caminho.

Arroz de safio e pata-roxa

Comecei pelo caldo: cebola, cenoura, aipo, alho, louro, coentros, pimenta, cravinho, sal, água

Os vegetais suaram no azeite, juntei a água para fazer o caldo e depois deste começar a ferver, adicionei as postas de safio e pata-roxa, esperei que retomasse a fervura, tapei e apaguei o lume. 

Assim ficou tudo num banho quente que se prolongou por 25 ou 30 minutos.

Passado esse tempo, à que tirar o peixe da panela, remover peles e espinhas ( o pata-roxa já vinha esfolado e só tem espinha central...) e com essas partes não comestíveis adicionadas ao caldo, retomar o ligeiro fervilhar por mais 30 minutos.

Para fazer o arroz não fiz refogado, mas deitei cebola picada, tomate maduro  e pimento também picados na panela, reguei com azeite e assim que começou a aquecer, adicionei o arroz e o caldo coado (3 partes de caldo para 1 de arroz) tapei e dei inicio à cocção, mantendo o restante caldo à mão para poder adicionar se fizesse falta ( e fez)
Quanto ao peixe já limpo, juntei-lhe mais um pouco de cebola e tomate picados, hortelã, muitos coentros, malagueta em pó, azeite e deixei-o à espera de vez.
Passados 10 minutos de cozedura e porque o arroz começava a estar pobre em caldo, juntei mais um copo (total 4 copos de caldo) e entrou o peixe com os seus temperos crus. 
Levantar fervura, tapar e descansar 5 minutos que só lhe fazem bem

Chegados aqui, só falta comer, o que é tão importante como fazer. Comer, apreciar, repetir e mostrar alegria se for o caso. Este é o elogio pretendido.
Quanto a memórias, essas juntam os Avós, os Pais, as praias (primeiro a Nazaré, depois S. Martinho do Porto) as idas à praça, a sesta depois do almoço que ajudava a passar o tempo até à hora do banho e vão-se enriquecendo em cada repetição, juntando-se coisas novas, como os filhos, as caras alegres dos amigos, o orgulho de saber fazer e poder assim replicar os dias passados e fazer deles novos. 

(para a minha Mãe Teresa Maria)

04/06/2018

Fast Meals and Contemporary Cuisine - prova final

Amanhã tenho a prova final de Fast Meals & Contemporary Cuisine, com um tema singelo - Uma sandwich e uma salada - tão simples, tão vago, tão assustador...

Porque existe uma lista de ingredientes a que não podemos fugir, foi questão de olhar para a dita e tentar compor qualquer coisa, que não tem de ser original, mas tem de ser bom e identificável com o tema proposto. Esse é um problema que eu tenho, pois quero fazer um torricado, mas será que conta como sandwich? 

Será um torricado com escabeche de frango, ou se não puder ser, farei uma coisa aparentada ao  bahn mi.

Para a salada tenho as ideias mais assentes, e só espero ter os ingredientes todos, pois estes são limitados em quantidade e se todos quiserem couve-flor, batatas e nozes posso ter que improvisar ( ou combater pela posse, o que é pouco provável)

Precisarei de: batatas , couve-flor, cebolas, nozes, alcaparras, rúcula, alho, limão, manteiga, mayonnaise (que tenho de fazer), sal e pimenta  

Cozo as batatas e a couve-flor e reservo-as para que arrefeçam. Corto as cebolas em meias luas que saltearei até estarem bem douradas. Reservo em papel absorvente. 
Douro também as nozes, faço o mesmo com o alho e por fim, frito as alcaparras. 
Depois  de fazer a mayonnaise, esmago o alho e junto-o. Junto também algumas folhas de rúcula muito bem picadas, misturo tudo e corrijo o sal e o limão.
Uma vez a couve-flor e as batatas batatas arrefecidas (se for preciso uso o blast chiller) vão ao lume para corarem em manteiga.

O empratamento também é para levar a sério e conta para a nota final, por isso aqui vai.

Mayonnaise no fundo do prato e sobre esta algumas alcaparras ao acaso. Depois as batatas, cortadas ao meio para se equilibrarem, e os floretes de couve-flor arrumados nos espaços. As nozes juntam-se ao grupo e no fim entra a cebola, um pouco por todo o lado. 

Devo garantir que uma garfada ao acaso tem boas hipóteses de apanhar um pouco de tudo, e que tudo funciona harmoniosamente. Como as cebolas são doces, conto com a mayonnaise e as alcaparras para contrabalançar.

A foto é dum teste feito no fim de semana e não tem mayonnaise.

Agora falta decidir a sandes...

(já fiz a prova que correu bem, e o professor gostou do meu torricado com escabeche de frango, e apreciou a salada embora com algumas críticas por falta de mais contrastes - ou por eu ter tido receio de por mais alcaparras que ajudariam a colmatar essa falha. O sabor ácido e salgado das alcaparras devia estar mais presente para contrabalançar o adocicado dos vegetais caramelizados e da cebola frita...)

19/04/2018

O 1º almoço nunca se repetirá

Finalmente chegou o dia e já passou, como um vendaval ou um sonho.

Nenhum outro será assim tão primeiro como este, mas sabemos  que todos serão diferentes, progressivamente mais complexos, e, se tudo correr como queremos, serão sempre um bocadinho mais difíceis do que esperávamos, haverá sempre algum medo controlado e capaz de nos afinar o foco, para que não se falhe por descuido ou falta de empenho. Coisas para rir mais tarde, como agora rimos já dos primeiros almoços que fizémos para a cantina e nos quais o tempo nunca chegava e as mãos pareciam sempre poucas
.




















Passado que foi este primeiro almoço, só me lembro do torricado em que participei, e da sobremesa que no lado oposto da sala se foi desenrolando desde o singelo anúncio do nome - "Fritos", até que provei um pouco e dei os parabéns às dedicadas cozinheiras Joana e Carolina. Filhozes enroladas  ou de canudo com cores, sabores e aromas algarvios.

Entre os do  torricado e as dos fritos, o resto da turma trabalhou afincadamente , mas não tive tempo nem capacidade para reparar em detalhes. Uma ideia vaga da sopa de cação que foi feita a 1 metro de mim, e que provei mais tarde com prazer.  Quanto ao resto, um nevoeiro, com vozes abafadas, pratos desfilando à minha frente e eu, umas vezes tentando ajudar, outras limpando, lavando, comentando e rindo  de nervoso e alegria por participar naquele momento. Até as fotografias que consegui repetem esta confusão. Do nosso prato, nada, que eu estava junto com os outros a empratar o melhor que sabia.



Ficámos contentes com o "nosso" torricado e com a alegria e prazer, mostrados por  todos os que provaram e elogiaram, que era a recompensa esperada.
O resto foram sequências de gestos encaminhados na direção correta pelas instruções certeiras do Chef, que pacientemente ia ouvindo e respondendo a todas as dúvidas, desde o acender das brasas para torrar o pão até ao empratamento final .

E como eram 5 pratos, havia 5 grupos a fazer diferente perguntas...






















Assar a morcela,  preparar o estufado cozinhar as perdizes, desossar, juntar todos os elementos, voltar às brasas para torrar o pão e por fim dispor no prato e ir enviando para a sala, à medida que os pedidos surgiam.

De repente estava feito, e contente pensei "Venha o próximo"


 A equipa do torricado: Danuta, Luís, Gonçalo e eu 

11/04/2018

Açorda de Galinha na Escola

Prato confeccionado pelo Luís,  Ricardo e por mim, para alimentar a turma de Culinary Arts,  hoje ao almoço. Os outros alunos estavam entretidos com Perna de Borrego no forno, Polvo Guisado com batata doce, Folar com chouriços e Torta de Laranja, servidos no restaurante da Escola a um grupo de 30 convivas.


Pouco tempo depois de ter começado a ir no Verão para Cabanas de Tavira, descobri que faziam um prato chamado Açorda de Galinha. Pareceu-me então uma palermice fazer uma canja com pão, para mais com grão!Só se fosse por causa da rima!

Anos depois fui até Rio Seco, por causa duma Canja de Perdiz com grão, que adorei. Era quase a mesma coisa, mas o pão vinha à parte e cada um usava-o segundo a sua vontade.

Com o passar do tempo, fui aprendendo aos poucos algumas das delícias da cozinha Algarvia e de outras regiões do nosso País, e quanto mais sei, mais gosto. Esta Açorda pode não ser muito bonita, mas no que respeita ao sabor e ao conforto, poucos lhe fazem frente.


Na sua simplicidade. é receita que precisa de bons ingredientes e respeito pelos processos.

Bom pão, da serra Algarvia se possível. Deve ser duro. Cortar às fatias

Um ave de capoeira com qualidade. O melhor frango ou galinha que for possível: convoque-se algum familiar, vizinho ou conhecido, que crie bichos destes ou então active-se a rede de procura pelo melhor frango do campo que houver nas redondezas.                                       

Para dar banho ao bicho faz-se um caldo. Pensei naquela canja que a vossa avó fazia, e façam melhor.
Cenouras, alhos franceses, cebolas cravejadas pelo cravinho ( desculpa Luís Ventura, sei que não concordas, mas eu sim), grãos de pimenta, folhas de louro, pés de coentros e hortelã e deve bastar.

Aromatizada a água, junta-se o frango partido e temperado, um pouco de chouriço e toucinho, se houver, e deixa-se cozer sem exageros.
Depois de cozido e arrefecido o frango, separa-se a carne em pedaços grandes e devolvem-se os ossos ao caldo que vai continuar a apurar mais um pouco, até o bom senso ou a fome dizerem que basta.

Forra-se o fundo do recipiente de servir com fatias de pão, por cima junta-se grão cozido e, se houver paciência, sem as peles como este que fizemos. Sobre o grão, deita-se a carne, seguida por gemas de ovo ligeiramente batidas e misturadas com um pouco de caldo. Abana-se o recipiente para espalhar os ovos e cobre-se com o restante caldo, depois de coado. O chouriço cortado às rodelas e pedaços de toucinho vão também juntar-se à festa, sendo tudo complementado por dose generosa de coentros picados e muitas folhas de hortelã fresca. Para acabar um bom fio de azeite e depois é servir e comer até fartar.

Comida de conforto como poucas, com tal sabor e aroma, que me parece mentira ter eu alguma vez desdenhado, mas a razão era simples, não sabia do que falava como é próprio dos palermas e dos ignorantes. Felizmente que tenho tentado arrepiar caminho, sempre agradecendo a quem me vai ensinando. 


Nota: Esta receita fica aqui registada, porque a Dª Lucília o pediu e apenas porque ela mostrou interesse, entendi que valia a pena deitar mãos à escrita. Talvez aproveite a mais alguém, já que na aula de hoje, apesar de a princípio não ter despertado muito interesse, depois do almoço quase todos tinham sido convertidos.    

04/04/2018

Regressado do jantar no "Cardoso do Estrela de Ouro"



quantos anos levou a fritura
e o arroz de feijão
que primeiro pensei recusar,
mas por dentro alguma coisa conspirava
história sem ouro
ou guerra maior
que a fome
apaziguada




quantos anos levaram todos os galegos
descendo a pé deste arosa até lisboa
pra vender vinho ou carvão
e dar-nos o pão à boca,
num português
onde o X se faz mais do que é
construíram a maior costela do nosso esqueleto
alimentar,
e nada disseram do lacón con grelos




hoje
choramos de saudade por tudo o que fica para trás
saudade antecipada ainda
saudade inevitável


quantos anos levou a fritura
do rissol
do carapau
do filete de pescada
do pastel de bacalhau sem queijo
do amor
nos renovados restos que alimentam a família




Penso tantas vezes:
a minha Mãe fazia bifes a contar com os croquetes
sei que é aí que vou ficar
e adormeço embalado por conversas sobre migas
raia alhada
ou sopa de feijão verde com segurelha
no Verão dos meus Avós

20/03/2018

Fish and Rice

Há um mês, fiz um arroz de pampo, em casa duma amiga que (temporariamente) alojava uma jovem japonesa que estava na nossa terra a aperfeiçoar a língua que por cá se fala.

No final, depois de tudo comido, ela pediu-me a receita pois queria fazer o mesmo para a mãe, uma vez regressada ao Japão. Acho que se tratou dum belo elogio ao prato que mais gosto de cozinhar e aqui fica a receita tal como lhe enviei:

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

A recipe is always more than a list of ingredients and techniques. Especially when it is part of one's history like this is to me, but I'll try to describe and you'll try to achieve it, keeping in mind that the stock is the most important part of this recipe. Or is it the rice? Maybe the fish? The olive oil?

To start, it is necessary to make a good broth, with vegetables , fish, spices etc as this will be the main flavoring component. There is also the need to use a good olive oil, which you will have difficulty in finding, but it can be done with proper butter also, even though the end result will be different. No other fat will work. So, use olive oil if possible and if not, use butter.




To prepare the stock:
  • fish (1 whole, at least 1Kg)
  • 1 leek
  • 1 onion
  • 1 garlic clove
  • 1 carrot
  • 3 cardamom
  • 6 (grains)black pepper
  • 1 laurel leaf
  • 3 slices of fresh ginger
  • lemon zest
  • salt
  • water

The fish may be any kind of fresh white and not fatty fish, like sea bass, hake, snapper or pampano as the one in the photo(don't use mackerel or sardines). It is better to buy the whole fish, as the head and all the bones are required for the stock. The easiest way is to buy a fish weighting between one and two kilos (to make rice for 2 persons a 1 Kg fish is more than enough). If the fish is not to big it may be cooked whole, otherwise there is the need to cut it in pieces.





Start adding salt (if possible coarse salt) to the fish. Then pell the veggies, and cut them in pieces (not too small ). Sweat them in a hot pan with olive oil, and take care not to let them turn brown, add the spices (you can use all, some or none, but it will make some difference, one or two stripes of lemon zest (saving the rest of the lemon for later) and a piece of fresh ginger. Add 1 Lt of water, salt and wait for the water to start boiling.












































Let it boil for 10 minutes before adding the fish, and after that, wait for the water to boil again. When that happens, turn off the fire, cover the pan and let it rest for at least 30 minutes.


After 30 minutes, remove the fish from the water (it will be almost completely cooked) and clean it carefully, returning all the bones and skin to the stock, and keeping all the flesh to add later to the rice).
Let the stock (with the vegetables, spices and fish bones) simmer for 30 more minutes, and after that, sieve it, to use the liquid in the rice preparation.












The rice:
  • stock
  • 4 tablespoons of good olive oil
  • 1 clove garlic
  • 1/2 leak
  • 1 medium onion
  • rice (I use Carolino rice Bom Sucesso brand )
  • fresh coriander
  • juice of 1 lemon
  • fish



To make the rice, you will have to find a rice that absorbs a lot of water - the thai or basmati rices are not good for this, but risotto rice (carnaroli) or even paella rice can be used.

The photo shows the rice I use, but I don't think it will be available in Japan



The amount liquid will be 2,5 times the amount of rice, and in the end there should still be liquid, and the grains cooked, soft but not sticking...

To start cooking the rice, get a pan in the fire, add the olive oil, the garlic / leek /onion finely minced , let it start to fry and add the rice (100g for each person). Mix the rice so that it is covered with a layer of olive oil, and after that add the stock (for 2 persons use 200g of rice and 0,5Lt of hot stock).
Cook the rice covered for 10 minutes after the liquid starts to boil, and when the 10 minutes pass, add the fish, the lemon juice, some more salt if required, and two handfuls of fresh coriander leaves. Cover and let it cook for more 2 minutes.
To finalize I add 1/2 tablespoon of olive oil, but that's not mandatory...
Eat immediately as it will lose quality with time. Don't reheat it later, eat everything and enjoy.



10/02/2018

Em 2018

Em 2018, farei 60 anos e nessa altura estarei a terminar o 2º semestre e em vias de começar o estágio de 2 meses num restaurante, trabalhando como qualquer ajudante de cozinha, ou seja, muitas horas e poucas opiniões.
Em 2018 os meus filhos farão 28 e 18 anos respectivamente.
Em 2018 muitas outras coisas acontecerão, boas e más, maçadoras e desafiantes, para além de tudo o que é normal, costumeiro e em que, por isso, não reparamos.
Mas este fim de semana só penso na montanha de testes que se avizinham, começando já amanhã com uma mistura de provas técnicas (Pastelaria, Cozinha Pedagógica) e teóricas: prova escrita de Cost Control.
Assim divido-me entre o coração e a razão, tendo a segunda dificuldades em fazer-se ouvir. Ontem preparei a prova de Pastelaria - vou fazer uma tartelette Bourdaloue - e a de Hot Kitchen - Arroz de hortelã com pastéis de massa tenra - e hoje de manhã saí da cama para afiar facas e de seguida desmanchar um frango:

Peito simples
Peito com osso da asa
Lollipops de frango (asas)
Pernas desossadas

E o cost control? Aguarda!

Acabei de preparar o frango e avancei para um caldo, aproveitando a carcaça, a que juntei cebola, alho, alho francês, cenoura, louro, sementes de coentros, bagos de pimenta, cabeça de porco fumada e pés de salsa.

O caldo e a carne do passaroco, serão ao jantar transformados em frango de tomatada e quanto ao Cost Control? Aguarda! A razão está a perder, mas nos dias seguintes tenho mais.  Tourism, Labour & Regulations, Français, English, Communications, Informatic, Nutrition e Cost Control de novo.

Agora vou mesmo passar às fórmulas para calcular stocks, compras, consumos e outras coisas assim, e depois começar a pensar a sério nas provas que se seguem. Quanto às receitas, virão depois


31/01/2018

Não há tempo para isto

Por vezes penso que este blog está abandonado, mas está apenas em pausa.
Na verdade, estes dias de fim de semestre, têm sido atarefados e tendem a piorar até ao dia 16 de Fevereiro. Depois haverá uma pequena pausa e começa o segundo semestre. Com ele coisas mais sérias virão. Era a isso que  a Catarina aludia, quando se cruzou comigo nas escadas da escola.

Horas antes eu estivera, com outros colegas, a ver os finalista em acção, num almoço muito especial, cujos pratos tinham nomes famosos como  Bocuse,  Bras,  Carême etc. O almoço mais complexo feito na escola, na opinião do Chef. E eu a vê-los trabalhar com arte e afinco, os pratos saindo, cheios de detalhes, bem apresentados e despertando a vontade de provar. Foi a custo que deixei a janela por onde os via e regressei às minhas aulas, terminada a pausa do almoço.

O que a Catarina me disse, quando se cruzou comigo, foi:

 - Fizemos o ultimo serviço de almoço, no próximo já serão vocês!

E referia-se a nós, que em breve passaremos de Culinary Arts 1 para Culinary Arts 2,  e assim iremos de espectadores para obreiros. Aleluia!



Quanto a tempo para o blog, não está para breve, mas a causa é boa.

02/01/2018

Em Janeiro o Luar



(Vimos a Lua bem cheia sobre o mar nas primeiras horas de Janeiro. Pouco mais de uma semana antes tínhamos comido este arroz que agora conto. O resto que não se conta é feito de pequenos gestos, de olhares e sorrisos irrepetíveis )  

 ***

Amanhã recomeçam as aulas depois das férias de Natal, uma coisa de que já mal me lembrava, mas soube bem, até porque é uma confirmação de que sou mesmo um estudante.

Quase que me esquecia da escola, se não fossem as mensagens dos colegas, a recordação quase diária dos trabalhos de casa ainda por  fazer e as tarefas culinárias, remetendo-me para o muito que tenho aprendido nestes curtos meses iniciais.

Deste arranque da minha vida de estudante, ficara apenas um (pequeno) lamento. No dia  dedicado ao arroz, quando o chef referiu as preparações que iríamos realizar, houve uma que me chamou a atenção em particular: o arroz de hortelã tal como fazem no restaurante eborense, Luar de Janeiro - onde nunca fui e nem sequer de nome conhecia antes, mas a pequena descrição feita do prato e o meu amor por tudo o que seja arroz, deixaram-me expectante. No entanto não houve tempo para o fazer nesse dia e eu fiquei com o tema atravessado...

Durante as férias, acordei várias vezes a pensar no assunto e um dia avancei de olhos fechados para o dito. Aquilo que eu sabia era pouco, mas segui as pistas:

  • ·         Refogado de alho
  • ·         Cebola inteira
  • ·         Molho de hortelã

Sabia que havia um caldo knorr, mas como bom aluno do meu professor, fiz eu um caldo simples com cenoura, cebola, alho francês, louro e barriga fumada e com o caldo pronto e um lombinho de porco temperado (alho, azeite, vinho branco e louro) e pronto a grelhar, virei-me para o arroz imaginado.
Com dois dentes de alho picados e uma flha de louro fiz o refogado, a que juntei depois 1 copo bem cheio desse Carolino tão nosso querido. Depois de envolver o arroz no refogado, deitei o caldo necessário (2 copos), a tal cebola inteira, apenas descascada  e coloquei a tampa. A meio dos 10 minutos da praxe, abri mexi e juntei  uma mão cheia de hortelã (ramos com as folhas) e voltei a tapar.
Entretanto  reservara umas folhas pequenas  da hortelã, para antes de servir, poder  tirar o ramo e juntar  as folhas novas.
Gostei muito do "meu" arroz de hortelã, que veio nesse dia fazer companhia ao lombinho grelhado e completar uma aula que fora bem recheada de delicias com arroz . Agora tenho de ir a Évora provar o outro. O verdadeiro.