26/01/2016

Açorda de bacalhau ou outra coisa qualquer

De repente percebo que estou a pensar em refeições. Nem sempre apenas a imediata, pode ser uma refeição abstrata, futura, improvável ou remota e isto acontece em paralelo com outras coisas, metades de ideias, cantarolices, conversas com e sem outras pessoas, tarefas diárias ou mesmo o trabalhinho que é o meu.

Não me apetece sair para ir às compras, pois é sábado, estou bem em casa com a minha filha a ver o Castle e talvez possa descongelar alguma coisa para o jantar.

Fui ver (como escreveu o Augusto Gil), não a neve mas o próprio congelador que é quase o mesmo e tirei de lá 2 boas postas de bacalhau. Migas, pensei:
-Madalena, pode ser migas?  Ela disse que sim e a coisa ficou encaminhada.

Havia bom pão alentejano(restos do fim de ano em Avis)  em condições para ser usado nas migas, mais o alho, azeite e coentros,  já se adivinhava o resultado. Cozer o bacalhau, lascar, aproveitar o caldo e pouco mais.

Entretanto, por ter entrado em modo "cozinha" fui dar uma vista de olhos a uma das pérolas que o Luís Pontes escreveu recentemente.
Esse texto incluíu o link para um pdf da Câmara de Portel, dedicado ao lindo tema das Açordas, intitulado Açordas de Algibeira (link )

Sendo o livro sobre açordas(alentejanas) e não sobre as migas(açorda lisboeta) que eu queria fazer, li apenas para abrir o apetite, mas saí de lá com a cabeça cheia de coisas verdes (coentros, espinafres, alface, beldroegas, favas, salsa, poejos...) e resolvi juntar espinafres às minhas migas, aproximando-as assim do esparregado, tal como o fazem na Tasca do Montinho.

Com o bacalhau cozido e lascado, o caldo coado, o pão migado, os espinafres salteados e migados e 4 dentes de alho picados, comecei a função.
Azeite no tacho, o alho a estalar, juntei o pão migado e aos poucos fui adicionando o caldo quente para embeber e desfazer o pão (*). Quando misturei os espinafres lembrei-me da minha Avó Celeste e aquele pudim de broa feito com a água de cozer o bacalhau. A recordação da textura da broa, resistindo a desaparecer totalmente na humidade do caldo, fez-me salivar e recordar que tinha um resto de broa de milho a endurecer na talega. Fui "ver dela" e  ralei-a directamente para a panela onde as migas já estavam quase prontas, e sempre a mexer juntei os elementos finais - bacalhau, coentros, ovo cru e um fio de azeite.

Sentei-me com a minha filha para comer aquela papa cheia de sabor e memórias. Comemos até ao rapar do tacho, como uma refeição intemporal e nem a falta de rigor (histórico) na confecção a tornou pior. 

(*)Desde que a Maria José da Tasca do Montinho, me disse que não demolhava o pão, também eu abandonei o processo

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