12/08/2013

As comidas, os meus avós e a Rita

Nos tempos confusos que vivemos, cada vez há mais pessoas a recusar a proteína animal, ou pelo menos a carne, mas por outro lado, os "carnívoros" empenham-se no consumo excessivo de partes de animais, ignorando o bom senso e atirando-se de cabeça para o que parece ser um tipo de suicídio hedonistico.
Quando eu era um míudo que corria feliz na Cerca de Santo António (sempre que me escapava de Lisboa, que nessa altura quase só via pela janela), convivia de perto com animais e plantas, aprendia-lhes o nome e o sabor pela mão dos meus avós, e aprendia o respeito por esses seres que participavam no dia a dia, sem ser apenas sob a forma de alimento. Era preciso cuidar deles, esperar que crescessem, num sem fim de tarefas diárias que facilitavam depois o entendimento daquelas coisas que o meu avô gostava de dizer, como:
- não se deixa comida no prato
- a sopa é muito boa e faz falta
- vamos lá a comer a salada

e não havia esquisitices. Se as coisas não fossem boas, os meus avós não as serviriam  aos netos, por isso foram marchando canjas de borrego, sardas cozidas, sardinhas, guisados, frangos assados, enchidos, sopas de feijão verde (com segurelha, claro), de tomate, de cebola e batata com leite e muita salsa(a minha preferida) e um sem fim de iguarias, sempre preparadas com o cuidado dos dias de festa (ainda hoje faço isso mesmo que seja só para mim)
Nessas refeições nunca faltava a sopa para começar, a salada como um dos acompanhamentos, o pão também era obrigatório e no fim a fruta, sempre muita fruta fresca que crescia nas árvores como por milagre (não era milagre, claro, era mesmo suor do meu avô e dos homens que ele contratava).
Hoje, a maioria das pessoas compra comida congelada no supermercado ou vai comer fora, uma coisa rápida e apressada, sem mérito, saber, sabor ou préstimo, e ficam admirados com a arte de alguns amigos que conseguem ter prazer na preparação dos pratos mais simples, e ainda por cima com bons resultados. Dizem não ter tempo, não ter jeito, não ter paciência, não ter a receita...

Eu como de tudo, como me ensinaram, procuro cozinhar tudo e ultrapassar as minhas falhas, que são também filhas dos tempos. Por exemplo, acho que não conseguiria matar uma galinha ou um porco, embora tenha ajudado o meu avô a fazê-lo muitas vezes. Sei que é uma hipocrisia de citadino, que seria resolvida se eu "regressasse" ao campo, mas hoje em dia, agradeço aos talhantes e peixeiras/os deste país que fazem por mim essas tarefas.

Mas, sejam as nossas refeições de carne ou vegetais, sejam sopas ou grelhados, sejam tartes ou saladas, devem ser boas, frescas, feitas na altura, preparadas com a gulodice de antecipar o resultado, de libertar aromas que animem quem os sente, na esperança que alguém pergunte como se faz.

As próximas receitas vão para a Rita que me perguntou isso mesmo, antes de ter provado os meus cozinhados, apenas porque lhe tinham contado...

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